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Jornalista: Márcia R. Corradini

03/07/19 - À medida que a humanidade ultrapassa fronteiras de longevidade além dos 100 anos, a corrida por inovação das chamadas ciências da vida, especialmente a farmacêutica, demanda astronômicos recursos financeiros e humanos para responder à desenfreada busca global por qualidade de vida. A questão é que, há séculos, a tabela periódica é praticamente a mesma e o mundo não para de registrar “descobertas” de combinação de moléculas. Ao mesmo tempo, cientistas falam que a estrutura do DNA humano aponta para a ‘complexa unidade de carbono’, a qual chamamos de corpo, uma capacidade de vida útil de 150 anos. E que a criança que atingirá esse novo limite de idade já vive hoje entre nós.


O gasto médio em pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos pela indústria farmacêutica global é de cerca de USS 1,2 bilhão a USS 1,8 bilhão, segundo cálculo do Tufts Center for the Study of Drug Development dos Estados Unidos. Contando com todos os períodos, desde pesquisa básica a testes clínicos, por dez anos a 12 anos, para que os “lançamentos” globais tenham suas patentes depositadas ao redor do mundo e os órgãos de farmacovigilância atestem o ‘estado da arte’ na aprovação de novas drogas e terapias de uso humano ou animal.

“Os padrões da farmacovigilância estão subindo, à medida que descobrimos efeitos colaterais de medicamentos. Além disso, só se fala dos recursos financeiros, mas gente altamente especializada é, cada vez mais, disputada a dedo nos principais centros de pós-graduação em biologia molecular, genômica, engenharia química, bioquímica, farmacêutica, enfim, das ciências da vida ao redor do planeta”, lembra Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindicato da Indústria Farmacêutica (Sindusfarma). Ele explica que em raros outros setores da economia a parceria com a academia, universidades e centros científicos de excelência é tão fundamental.


Esse desafio não tem sido uma barreira para o laboratório Aché, de capital nacional e líder do ranking setorial pelo quinto ano consecutivo. Em parte porque há um enorme espectro da chamada inovação incremental - novas aplicações ou otimização da absorção de drogas já conhecidas - a ser explorada no mundo, mesmo considerando que parte dos investimentos no Aché se destinam à inovação radical (novas descobertas).

Desde que o país aprovou, em 2015, as novas regras de exploração da biodiversidade brasileira, a indústria farmacêutica nacional se sentiu segura para firmar-se em um mercado dominado pelas gigantes globais dos medicamentos. E, mesmo ante à crise mais aguda do Brasil, os investidores locais aceleraram seus projetos de expansão não apenas em capacidade de produção, mas, sobretudo, em pesquisa e desenvolvimento (P&D).

O Aché investe anualmente em P&D 10% do seu Ebitda (sigla em inglês para lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortizações), que em 2018 foi de RS 939,2 milhões. Um valor bem acima da média dos 6% e 7% do faturamento bruto das inversões mundiais do setor de medicamentos. “No momento estamos fazendo testes clínicos na Europa de uma nova molécula para tratamento de vitiligo (recém-aprovada no Brasil), que pode reverter totalmente a doença”, conta Stefani Saverio, diretor de inovação da Aché. “Com a aprovação da agência europeia de saúde, podemos acelerar o registro do remédio mundialmente." Segundo ele, a empresa acaba de dobrar sua capacidade de design e síntese de novas moléculas para ampliar as inovações incrementais. Há três projetos no pipeline, em fase final de aprovação na Anvisa, entre dez projetos já bastante avançados na pesquisa, que devem estar no mercado a partir de 2020. E o índice de inovação faz com que a companhia tenha pelo menos 23% da sua receita vinda de produtos lançados há menos de três anos.

 


Top 5


Aché


Cristália


Eurofarma


Sanofi


Novartis


A Eurofarma, multinacional de capital nacional criada em 1972 pela família Billi, vai inaugurar, entre os próximos meses de agosto e setembro, seu núcleo de inovação radical (descobertas) em Itapevi (SP), com capacidade de até um quilo para cada nova molécula.
 O foco de P&D da empresa é a biotecnologia e biossimilares e novas plataformas digitais, que, em 2019, absorverá R$ 198 milhões (ou 7% da receita líquida) e que deve atender, de acordo com Martha Penna, vice-presidente de inovação da Eurofarma, inclusive produtos negligenciados pelos líderes mundiais, como antibióticos, drogas para obesidade, para o sistema nervoso central e oncologia.


“Temos 200 produtos no nosso pipeline na área de inovação incrementai e outros cinco projetos que são inovações radicais, sendo que dois na área genômica (em um consórcio internacional)”, afirma Martha. Em 2018, a receita cresceu 18% e a companhia fez 37 lançamentos no país e 49 em outros 20 países.

A Eurofarma acaba de fechar um acordo com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) para um “hub” de inovação, no qual a empresa patrocina pesquisa de doutorandos e pós-doutores em áreas como biologia, química e farmácia - talentos que poderão migrar para carreiras empresariais. Na área de biotecnologia, a empresa é sócia da Biolab, que registrou o primeiro biofármaco do país, um princípio ativo para remédios que aumentam o crescimento de células brancas (defesa) do organismo, e está buscando, no segundo semestre deste ano, startups e potenciais empreendedores em universidades para suporte em iniciativas de novas drogas, principalmente na área digital para testes “in vitro" em big data.

O laboratório Cristália, segundo colocado no ranking setorial, acaba de registrar um hormônio do crescimento, o primeiro de rota biotecnológica (biossimilar) a partir de informação genética de clone de enzimas de uma bactéria, após dez anos de pesquisa em parceria com a Universidade do Amazonas, que estuda a biodiversidade amazônica.

“Esse hormônio contra o nanismo, que se manifesta cedo em crianças, vai permitir que, em vez de injeções diárias, seja administrada, agora, apenas uma dose semanal”, adianta Ogari Castro Pacheco, presidente e controlador do Cristália.

Pacheco acrescenta que há uma segunda inovação “prestes a ser aprovada pela Anvisa”, também da rota biotecnológica, “que é inédita a nível global” para tipos raros de câncer.
As maiores atenções do Cristália, porém, estão no enorme banco de fungos raros e derivados, a partir de diferentes tipos de terras brasileiras, que foi montado e testado ao longo de anos por um executivo e pesquisador, já falecido, da companhia. “Os que geraram efeitos positivos estão catalogados (cerca de 5 mil) em nossa coleção para diferentes terapêuticas e já estão sendo desenvolvidos agora, numa parceria que firmamos com uma fundação espanhola para a saúde”, revela o presidente do Cristália, que tem no laboratório Sincrotom do projeto Sirius (Colisor de Electrons) de Campinas (SP) uma outra parceria para desenvolvimento de moléculas.

Pacheco conta que, este ano, a empresa está debruçada sobre uma outra bactéria, cuja propriedade é de tornar inabsorvíveis hidratos de carbonos, que se transformam em gordura depois de processados no organismo. “Imagine poder bloquear a absorção da gordura da nossa pizza semanal”, comenta. O Cristália, que registrou faturamento de R$ 2 bilhões em 2018, com crescimento de 14% sobre 2017, reinveste todo o seu lucro em pesquisas. “Aqui tudo é feito com capital próprio e do bolso, se for necessário”, afirma o executivo.

A biotecnologia da terapia gênica e celular é o foco global da gigante suíça Novartis, e a empresa prepara-se para lançar no Brasil, dentro de um ano, um procedimento para linfoma (câncer) infantil, outro para atrofia muscular (paraplégicos) elaborados a partir de células da medula do paciente, cujos índices de cura são da ordem de 85%.

“São novas terapias, e não um produto”, explica João Sanchez, vice-presidente da Novartis no Brasil. Num prazo de duas semanas são retiradas e reimplantadas células do paciente geneticamente modificadas. Uma terapia seguida de acompanhamento, por exames, durante meses. “O índice de sucesso é cada vez maior, quanto mais cedo forem detectadas as anomalias celulares. O problema é fazer com que, no Brasil, o teste do pezinho nos recém-nascidos amplie seu escopo de resultados, como na Europa”, diz o executivo.

No Brasil, 40% da receita da companhia, de R$ 3,5 bilhões, é proveniente de produtos com cerca de três anos “de prateleira”. O laboratório fechou recentemente parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein e com três startups que abrangem desde pesquisa básica, diagnósticos e tratamento até desenvolvimento de aplicativos (apps) para terapias. A projeção é de investimentos de pouco mais de R$ 900 milhões até 2022 da Novartis no país, onde tem 50 produtos em andamento.

A francesa Sanofi, por sua vez, completa este ano 100 anos de operação no Brasil, seu segundo maior mercado emergente, depois da China. Felix Scott, que assumiu recentemente o comando da empresa no país, conta que, este ano, a companhia trouxe para o mercado local um medicamento biológico para dermatite atópica e tem mais oito lançamentos previstos para produtos sem prescrição médica, além de outros nove novos medicamentos na sua controlada Medley, unidade de genéricos.


“Recebemos recentemente a aprovação da Anvisa para produzir o primeiro medicamento registrado no Brasil para tratamento de carcinoma espinocelular de pele (não melanoma)”, comenta Scott. Segundo ele, a unidade de estudos clínicos de São Paulo recebeu aporte de 13,1 milhões de euros em 2018.

No centro de desenvolvimento da Medley, de Campinas (SP), são destinados investimentos anuais de R$ 27 milhões. “Temos mais de 60 projetos de desenvolvimento em diferentes fases, incluindo os de inovação incrementai. As principais áreas terapêuticas são cardiologia, sistema nervoso central, endometabolismo e gastroenterologia”, acrescenta Renata Sasaki, diretora de inovação da Sanofi.

 

Esta e outras notícias foram publicadas no anuário Inovação Brasil, que circula encartado no Valor Econômico desta quarta-feira (3).

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