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Por Chloé Pinheiro Atualizado em 18 dez 2020, 19h56 - Publicado em 18 dez 2020, 14h29


Não é exagero dizer que em 2020 quase todo mundo sentiu na pele o que é estar deprimido. Pouco ou muito sono, vontade de não sair da cama ou agitação sem fim, dificuldade de se concentrar, sobe e desce no apetite, angústia, dor pelo corpo e até falta de expectativa sobre o futuro. Nos Estados Unidos, estudos sugerem que o impacto da pandemia de Covid-19 na saúde mental da população já é pior do que o provocado por tragédias como o 11 de Setembro e o furacão Katrina. Por lá, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) encontrou, em pesquisa com 5 mil cidadãos, uma incidência de sintomas de depressão quatro vezes maior do que a observada na mesma amostra em 2019. No Brasil, um levantamento da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com 45 mil voluntários aponta que 40% deles se sentiram tristes com frequência durante o isolamento social.


Para 2021, a Organização das Nações Unidas (ONU) projeta a maior crise humanitária desde a Segunda Guerra Mundial. Ou seja, tempos ainda mais turbulentos vêm por aí, em um contexto que já não estava, vamos combinar, nenhuma maravilha. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) elenca a saúde mental como prioridade absoluta para os próximos anos e já considera a depressão a doença mais incapacitante do planeta.


“Acompanhamos um aumento constante nos casos do transtorno, o que contrasta com a introdução de tratamentos eficazes, que deveriam justamente reduzir essa incidência”, diz o psiquiatra Jair Mari, chefe do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).


O fato é que uma grande discussão orbita em torno desse crescimento. Por um lado, a sociedade vem falando muito mais abertamente sobre saúde mental. Isso estimula pessoas a reconhecerem sinais de sofrimento e procurarem os profissionais para realizar o diagnóstico, ao mesmo tempo que os estigmas, apesar de ainda presentes, diminuíram. Por outro lado, não faltam motivos para que haja mais deprimidos por aí. “Ambientes competitivos, desigualdade social e solidão são os principais fatores da cultura ocidental relacionados a esse aumento nos diagnósticos”, destrincha Mari.


Estima-se que 300 milhões de pessoas vivam com depressão no mundo hoje, quase 12 milhões delas no Brasil. Aqui, aliás, a prevalência parece mais alta do que no resto do mundo — 5,8% da população é acometida, ante 4,4% de média global. Não falamos de uma angústia passageira, mas de uma doença que inclusive pode ir e voltar. E lidar com ela é um tremendo desafio porque, além das questões culturais, a ciência ainda não sabe em detalhes como ela nasce nem como se pode curá-la.


“O problema tende a ser crônico e recorrente: 80% das pessoas que têm uma primeira crise terão outras ao longo da vida”, aponta o psiquiatra Acioly Lacerda, também professor da Unifesp.


A situação se complica porque, segundo os especialistas, vivemos tanto uma banalização da prescrição de medicamentos em casos que exigiriam outras abordagens quanto a falta do uso em quem realmente precisa. Enquanto alguns profissionais reforçam a noção de que o distúrbio tem raízes principalmente fisiológicas e, portanto, seria tratável como um diabetes, outros refutam a ideia de que a depressão é só uma patologia.


“Nos últimos 50 anos, o discurso de que a depressão é um problema biológico se tornou hegemônico, o que leva à ideia de que nosso modo de vida e a maneira de lidar com as emoções nada têm a ver com isso”, argumenta o psicólogo Christian Dunker, da Universidade de São Paulo (USP). Ele lança em janeiro o livro Uma Biografia da Depressão (Editora Planeta), em que discorre sobre a história do transtorno — de melancolia na Antiguidade a sinônimo de sofrimento na vida moderna.


“Hoje estamos diante de um impasse”, avalia Dunker. Medicamentos têm o seu lugar e são necessários em muitas situações, e até o tabu em relação a eles precisa ser cutucado. Mas a doença não se resolve apenas instigando neurotransmissores ou desligando áreas do cérebro. Assim como enfrentar o “mal do século” não é uma questão de ter força de vontade ou mudar de vida. É ao equilibrar essas duas visões e superar certos paradigmas que poderemos nos sair melhor da epidemia de depressão. Ela existe, não escolhe sexo, bolso ou idade e, se não cuidada, pode ser fatal.


O tratamento da depressão
30% das pessoas com depressão não respondem aos medicamentos tradicionais. 50% dos portadores de transtornos psiquiátricos no mundo não têm acesso ao tratamento.


O debate sobre os antidepressivos sempre esquenta porque, em mais de 60 anos de história, a eficácia dos remédios tradicionais permanece a mesma. Pelo menos um terço das pessoas com depressão não responde a eles e as chances de voltar a tomar um comprimido são altas.


“Até o ano passado, tínhamos 55 substâncias aprovadas no mundo, todas atuando no mesmo sistema cerebral”, conta Lacerda. O médico se refere às monoaminas, conjunto de neurotransmissores ligados à sensação de bem-estar, como serotonina, noradrenalina e dopamina. O reequilíbrio dessas moléculas é o alvo de toda a família de medicações.


“Não quer dizer que a depressão é uma falta de uma ou outra, mas que aumentá-las geralmente melhora os sintomas”, esclarece o psiquiatra Pedro do Prado Lima, pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).


Desde que os antidepressivos estrearam, nos anos 1960, o principal avanço nessa seara foi o desenvolvimento de comprimidos mais seguros e com menos efeitos colaterais. A depressão resistente a eles, contudo, permanecia praticamente sem alternativas de tratamento, com exceção da eletroconvulsoterapia. Conhecida no passado como eletrochoque, ela é um método eficaz mas só empregado em quadros graves e como último recurso. As descargas elétricas emitidas no cérebro podem desencadear reações como convulsões.


Mas em 2020 a história começa a mudar. Está para chegar ao Brasil uma nova solução contra a depressão, indicada justamente aos casos resistentes, que é fruto de pesquisas realizadas desde 1990. O medicamento atende pelo nome de escetamina e é um derivado da cetamina, anestésico forte e usado há décadas como droga recreativa devido aos seus efeitos de alteração da consciência. Ela foi aprovada no país em forma de spray nasal e promete resultado em poucas horas contra os sintomas depressivos ligados à ideação suicida em pessoas que não respondem aos remédios usuais. Para isso, é administrada em uma clínica, com a supervisão de profissionais.


O bacana da escetamina é que ela é o primeiro antidepressivo que não mexe nas tais monoaminas, e sim no glutamato, outro neurotransmissor. Esse aí dá um apoio à sobrevivência dos neurônios e estimula as sinapses, as conexões entre eles — quando a depressão está instalada, essa comunicação não funciona tão bem.


Os antidepressivos clássicos até podem induzir esses efeitos, mas de forma indireta e no longo prazo. Com a escetamina, a ação é imediata. O primeiro representante da categoria liberado no Brasil, desenvolvido pela farmacêutica Janssen, marca o début oficial de uma classe de moléculas que ficaram famosas como psicodélicos. E o laboratório nacional Cristália trabalha pela aprovação de uma versão injetável baseada na cetamina já existente no mercado contra a depressão.


Os psicodélicos chegaram a ser investigados por pesquisadores no século passado, mas caíram em desuso devido ao sucesso dos antidepressivos tradicionais e à associação com as “viagens” e alucinações veneradas pela contracultura. Isso está mudando.
“Pessoas com depressão têm geralmente uma hiperativação da chamada rede padrão, ligada à ruminação de pensamentos, e os psicodélicos reduzem a atividade dessa região”, explica o psiquiatra Luís Fernando Tófoli, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Outra hipótese é que o estado de hiperconectividade promovido pela classe seja capaz de quebrar padrões, e aí seria possível sair do estado depressivo e estabilizar a mente.”


Seria como resetar o cérebro. A abordagem é promissora e foco de inúmeros estudos para comprovar esses efeitos. Mas, mesmo que funcione bem, não deve ser a bala de prata contra a depressão. A ideia é que ela seja uma opção complementar ao que já existe. “Não é todo mundo que aceita entrar em um estado alterado e a experiência pode ser negativa e até traumática para alguns”, pondera Tófoli.


Psicodélicos contra a depressão
LSD: o ácido lisérgico foi o primeiro alucinógeno estudado como terapia. Há relatos isolados de melhora da depressão após o uso, mas faltam estudos maiores.


Ayahuasca: o DMT, princípio ativo do chá tomado por comunidades indígenas e religiosas, pode estimular a formação de neurônios e a conectividade entre eles.


Maconha: a droga já é usada por conta própria para reduzir a ansiedade e a depressão, mas as evidências sobre o assunto ainda são fracas.
Psilocibina (cogumelo): uma “terapia revolucionária” para depressão severa, segundo a agência que regula remédios nos EUA. Deve ser a próxima a ser aprovada.


MDMA (ecstasy): mais estudada no estresse pós-traumático, a droga provoca uma rápida descarga de dopamina, que melhora o humor, mas pode deprimir depois.


Não é só remédio
Outras estratégias antidepressão podem ganhar força nos próximos anos — e elas não se resumem a remédios. Primeiro, a estimulação magnética e a elétrica transcraniana. Ambas se valem de sensores colocados em regiões específicas da cabeça e visam, com estímulos via magnetismo ou eletricidade, alterar o funcionamento do cérebro nas áreas afetadas pela doença (entre elas a tal rede padrão).


Outro ponto importante relacionado ao agravamento da depressão e manipulado com esses dispositivos é o córtex pré-frontal, que, ao contrário da rede padrão, fica menos ativo nos portadores do transtorno. “O paciente faz algumas sessões de poucos minutos e já tende a melhorar, e isso praticamente sem efeitos colaterais. As duas técnicas já demonstraram resultados animadores em estudos”, relata o psiquiatra André Brunoni, da USP, que testará, a partir de 2021, uma técnica de estimulação elétrica com aparelhos portáteis, controlados por aplicativos de smartphone, o que permitiria o tratamento remoto com acompanhamento médico.


Em um experimento conduzido pela Universidade Stanford, nos Estados Unidos, 19 dos 21 participantes foram considerados livres da depressão grave depois de sessões de estimulação magnética. “Se esses resultados se confirmarem em pesquisas mais amplas, essas abordagens representarão outra revolução no tratamento”, acredita Brunoni.


Convênios nos Estados Unidos já começam a reembolsar pacientes por terapias do tipo. Aqui no Brasil, o uso ainda é particular, em clínicas e hospitais, ou em universidades, como parte de estudos.


Saindo da cabeça, vamos ao intestino. Isso mesmo! Hoje se sabe que o órgão carrega neurônios como o cérebro, e o que acontece lá embaixo, em especial no conjunto de trilhões de micro-organismos que habitam o aparelho digestivo, é fundamental para a saúde toda, incluindo a mental. É dentro desse contexto que surgem os psicobióticos, suplementos de bactérias específicas que, ao influenciar a microbiota intestinal, podem colaborar para o controle de ansiedade e depressão.


Evidências preliminares com certas classes de probióticos, caso de bifidobactérias e lactobacilos, sinalizam maior controle do estresse e melhora nos sintomas. “O uso dessa estratégia tende a crescer nos próximos anos, pois temos várias pesquisas clínicas controladas e de alta qualidade, cujos resultados sairão em breve”, afirma o nutrólogo Dan Waitzberg, professor da USP e diretor do Ganep Nutrição Humana.


90% dos pacientes responderam bem à estimulação magnética transcraniana em estudo americano
10% é a perda de volume em algumas regiões do cérebro entre quem tem depressão, caso da área envolvida na memória


Erro na dose
A depressão é um fenômeno complexo, que começa com uma mistura de predisposição genética e exposição a fatores de risco. Muita coisa entra na lista — ter nascido antes da hora, sofrer uma perda significativa na vida adulta, conviver com estresse crônico e beber demais na adolescência são algumas delas.


Entre quem tem a tal suscetibilidade, essas experiências servem de gatilho para as alterações bioquímicas e estruturais no cérebro. Só que, antes que elas ocorram e mesmo quando já estão em curso, mas em estágio inicial, outras saídas podem dar mais resultado que os remédios em si.


“Medicamentos são utilizados erroneamente para depressão leve e moderada e até para a tristeza normal, quando a espera orientada ou a psicoterapia são escolhas bem melhores”, defende o psiquiatra americano Allen Frances, ex-professor da Universidade Duke e autor de livros como Voltando ao Normal (clique para comprar), em que discute a necessidade de distinguir tristeza de depressão e critica o abuso dos antidepressivos. O duro é justamente fazer essa diferenciação em um mundo que pede soluções instantâneas para tudo.


Psicoterapia: a mais eficaz na depressão, segundo estudos, é a cognitivo-comportamental. Mas qualquer tipo pode ser útil, desde que a pessoa se sinta confortável no processo.


Espiritualidade: veja bem, não estamos falando de religião — que, em algumas situações, pode inclusive ser danosa —, mas na crença em algo maior e num propósito de vida.


Atividade física: é essencial contra a depressão. Exercícios têm efeito poderoso na química cerebral — da saúde dos neurônios ao aumento dos níveis de neutrotransmissores do bem-estar.


Meditação: outra técnica amparada por centenas de estudos. Meditar acalma a mente e diminui a ruminação — aqueles pensamentos negativos intrusos e recorrentes.


Pets: as evidências científicas são contraditórias, mas na prática muita gente relata sentir melhoras expressivas depois da chegada de um animal de estimação, em especial no luto.

Alimentação: uma dieta rica em fibras e boas gorduras, como a mediterrânea, tende a amenizar os sintomas. Já o cardápio cheio de tranqueiras pode agravá-los.

Diagnóstico correto da depressão é fundamental

Quando o tratamento é eficaz, com ou sem remédios, é possível restaurar os circuitos cerebrais e recuperar a qualidade de vida. Só que, quanto mais tempo leva para encontrar a melhor estratégia para cada um, menor a chance de sucesso e mais infelicidade no caminho. Daí o dilema: tratar cedo é melhor, mas é justamente nessa fase que a medicação pode ser prescrita sem necessidade.


“É crucial fazer a distinção, pois tristeza, desesperança e luto fazem parte da condição humana, e os métodos diagnósticos hoje falham nisso”, pontua Frances, que é um dos autores das edições passadas do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) e hoje um crítico do documento que guia a psiquiatria nos EUA e boa parte do mundo.


“O termo depressão foi desvinculado de um estado natural, que pode ser passageiro, para virar sinônimo de doença, e ao mesmo tempo é um conceito maleável, que atende às necessidades sociais, porque parte do pressuposto de que há um ‘normal’. Mas quem define o que é esse normal?”, questiona o médico sanitarista Paulo Amarante, presidente de honra da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme). Embora a resposta a essas indagações não seja fácil, os especialistas concordam que é preciso aprimorar o diagnóstico e individualizar ainda mais cada caso.


“O mais difícil hoje é fazer diagnósticos precisos e entender qual é a melhor abordagem para o conjunto de sintomas daquele indivíduo”, diz o psiquiatra Michel Haddad, um dos coordenadores do Instituto Brasileiro de Farmacologia Prática. Ele trabalha em uma linha inovadora, que é mirar no DNA para entender como o corpo vai reagir a um medicamento como o antidepressivo.


“Só devemos ter em mente que os testes genéticos ajudam, mas, sozinhos, não fazem diagnóstico nem escolhem o melhor remédio”, esclarece. A análise do DNA soma dados para o que Haddad e outros experts defendem, a psiquiatria de precisão. A meta é encarar a depressão não como uma, mas várias doenças, cada qual pedindo um tratamento personalizado.


Nessa linha, para compreender e diagnosticar a doença, é preciso ir além de uma lista de sintomas, que tendem a perdurar por mais de duas semanas. “Batemos muito na tecla de que não basta submeter a pessoa a um questionário e somar pontos, mas fazer uma investigação completa, até para diferenciar o transtorno de outras doenças com sintomas parecidos, como o desânimo de um hipotireoidismo”, afirma o médico Antonio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).


A grande régua aqui é interpretar quanto esse conjunto de manifestações — tristeza, letargia, raciocínio lento ou agitação excessiva, alteração no sono ou no apetite, perda de interesse no que antes dava prazer, dificuldade de concentração, lapsos frequentes de memória e sensação de que não há mais saída — atrapalha o cotidiano. “Os sintomas devem ser persistentes e causar prejuízos consideráveis na vida social ou profissional”, acrescenta Frances. Sentimento de vazio que não passa e pensamentos de morte são ainda mais preocupantes.


A perturbação trazida pelo momento atual, com medo, pressão e insegurança, pode até desencadear ou reativar um transtorno depressivo, mas dá para agir antes que isso aconteça. Ele, a exemplo de tantas outras doenças, é passível de prevenção. “Assim como não esperamos um infarto para orientar a pessoa a não fumar ou praticar exercícios, também podemos identificar fatores de risco e propor intervenções adequadas”, explica o psiquiatra Guilherme Polanczyk, da USP.


Nesse sentido, o fardo da pandemia de coronavírus tornou evidente a importância de zelar pela saúde mental. “Mais do que nunca, é importante se escutar, perceber que não está bem e cuidar de si”, ensina a psicóloga Ines Hungerbuhler, do Vitalk, aplicativo de autocuidado que detecta sinais de estresse fora de controle e depressão.


A tecnologia, aliás, pode ser uma aliada na identificação dos problemas — e soluções do gênero foram impulsionadas com a quarentena. “As pessoas estão mais atentas e buscando ajuda como nunca, e os serviços online ampliaram o acesso ao atendimento”, relata a psicóloga Karen Scavacini, do Instituto Vita Alere. A instituição é uma das envolvidas no Mapa da Saúde Mental, que ajuda a encontrar profissionais qualificados para auxiliar em diversas situações. O interessante é que, segundo novas pesquisas, a terapia online pode ser tão eficiente quanto a presencial no controle da depressão.


90% é o risco de ocorrer uma quarta crise depressiva em quem já está no terceiro episódio frente à doença
15% dos brasileiros teriam predisposição a desenvolver depressão em algum momento da vida

Tecnologia a serviço do bem-estar mental
Aplicativos: no Vitalk, por exemplo, um robô oferece atendimento inicial por chat e direciona para programas de controle de estresse e autocuidado.
Telemedicina: consulta e terapia online têm demonstrado eficácia e podem até facilitar o acesso, já que não é preciso ir a uma clínica, o que pode ser uma barreira.
Contra o suicídio: desde 2019, o Centro de Valorização da Vida (CVV) tem atendimento por chat no site e um serviço de bot (conversa automatizada) no Facebook.
Acesso a terapeutas: o Mapa da Saúde Mental é um site que ajuda a localizar serviços de saúde mental em todo o país, virtuais ou presenciais, incluindo gratuitos.

Uma abordagem mais humana e eficaz
Para instaurar uma nova era no combate à depressão, é crucial dialogar com todas as partes envolvidas e conscientizar a população sobre o que realmente essa doença representa: um problema de diversas faces, sem soluções simplistas e para o qual remédios podem ser um, mas não o único, pilar do tratamento.

“Estamos mudando de um modelo de protótipo para uma avaliação realmente biológica, pessoal e familiar”, define Mari. “O médico deve compreender seu paciente não com uma visão reducionista, focada na anatomia, mas contemplar sua história, ouvir e estar disposto a entender o outro”, destaca Amarante.

Uma abordagem mais humanizada e eficaz é urgente, porque o que está em jogo não é só a produtividade e a capacidade de manter as tarefas em dia, mas sim a própria vida. “Estudos mostram que o indivíduo com depressão não tratada tem uma expectativa de vida dez anos menor do que a média da população”, alerta Lacerda. “Ela desencadeia alterações sistêmicas, por meio da liberação de hormônios como o cortisol, e acaba aumentando até o risco de obesidade, câncer, diabetes e Alzheimer”, prossegue o professor da Unifesp.

Além do elo com esses males, há a face mais assustadora da depressão, o suicídio. “Se espera que ele aumente depois da pandemia, embora agora pareça ter diminuído, talvez pelo fato de as pessoas estarem mais próximas da família”, raciocina Karen.

Em 2020, a farmacêutica Janssen lançou, ao lado de outras entidades, o movimento “Falar Inspira Vida”, que prega uma mudança no tom da conversa sobre depressão. “Existe ainda quem nega a existência de doenças mentais e, assim, não busca ajuda”, lembra Silva. O alvo da campanha é justamente erradicar esses estigmas, que atrapalham a chegada do socorro a quem mais necessita.

“As pessoas escutam que é exagero, frescura, que devem se levantar e fazer escolhas melhores, e isso acontece por falta de informação”, aponta Ines. “Mas, assim como uma perna quebrada requer tratamento, a depressão também exige”, reforça a psicóloga. “Vemos uma resistência do próprio indivíduo, que pensa que é forte, não precisa de remédios ou terapia, mas essa atitude colabora para que o quadro evolua de um estágio inicial, facilmente revertido, para uma situação muito mais difícil de tratar”, analisa Lacerda.

Alguns grupos sofrem mais em silêncio. Os homens, que geralmente têm dificuldades em aceitar a condição e o apoio, e acabam combatendo a dor com bebida alcoólica ou se envolvendo em episódios de violência, o que só piora a situação. Depois, quem está mais vulnerável do ponto de vista socioeconômico. “Há uma ideia disseminada de que o pobre não tem tempo para ter depressão, e isso não poderia ser menos verdade, porque você vê um número enorme de pessoas miseráveis trabalhando em condições precárias e adoecendo”, observa a psicóloga Leila Tardivo, da USP.

Mas como falar em tratamentos de ponta quando tanta gente está perdendo emprego, moradia e as próprias perspectivas de futuro? O que não quer dizer que os mais abonados não podem sofrer, é claro. Está aí, aliás, outro mito a ser superado, o de que os bem-sucedidos, na empresa, na TV ou nas redes sociais, não têm motivos para sofrer de depressão. “Quantos famosos se suicidam ou morrem por outras causas porque estão infelizes?”, questiona Amarante.

No fundo, talvez essa pandemia dupla, de Covid-19 e depressão, seja uma oportunidade de ressignificar nossas dores, indo além do resultado, que é o diagnóstico, para as causas, que são múltiplas e fatalmente ligadas à sociedade que construímos e compartilhamos.


“É impossível dissociar a saúde mental da situação social e política. As pessoas estão cada vez mais entregues à própria sorte, se sentindo sozinhas pela ausência do Estado e pela ameaça do outro, visto como um inimigo”, opina Amarante. “Devemos voltar a pensar na depressão como algo que se enfrenta com a escuta, revendo a maneira como encaramos a nossa vida e fortalecendo nossos laços comunitários”, propõe Dunker.


As feridas da infelicidade coletiva talvez estejam mais expostas do que nunca. E a cura provavelmente virá da palavra, do diálogo e do apoio mútuo entre nós.


15% das crianças e dos adolescentes podem ter algum problema de saúde mental, entre eles a depressão. 
75% dos adultos com transtornos mentais tiveram os primeiros sintomas antes dos 24 anos.
 
Depressão ao longo da vida
Crianças: o diagnóstico é mais raro na infância, mas o que acontece nessa fase (em especial nos primeiros anos de vida) é um dos principais preditores do risco de desenvolver o transtorno no futuro.

Adolescentes: a partir da puberdade, a incidência aumenta, especialmente entre as meninas. Variações de humor, sentimento de culpa, baixa autoestima e ideias negativas sobre o futuro são indícios.

Adultos: a faixa até os 45 anos é a mais atingida, até por isso a depressão é considerada a doença mais incapacitante do mundo — é nesse período que se espera mais produtividade de homens e mulheres.

Idosos: também são vítimas, mas passam batidos por causa da visão de que o idoso já é “mais triste”. Puro engano! Vale ficar ligado em queixas constantes, pessimismo, insônia, dores inexplicáveis e perda de peso.

Pós-parto: menos contemplada pelos tratamentos e estratégias preventivas, afeta até 20% das gestantes e pode virar crônica. Deve ser diferenciada do baby blues, alteração de humor normal do puerpério.


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