Por Chloé Pinheiro Atualizado em 18 dez 2020, 19h56 -
Publicado em 18 dez 2020, 14h29
Não é exagero dizer que em 2020 quase todo mundo sentiu na pele o que é estar
deprimido. Pouco ou muito sono, vontade de não sair da cama ou agitação sem
fim, dificuldade de se concentrar, sobe e desce no apetite, angústia, dor pelo
corpo e até falta de expectativa sobre o futuro. Nos Estados Unidos, estudos
sugerem que o impacto da pandemia de Covid-19 na saúde mental da população já é
pior do que o provocado por tragédias como o 11 de Setembro e o furacão
Katrina. Por lá, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) encontrou,
em pesquisa com 5 mil cidadãos, uma incidência de sintomas de depressão quatro
vezes maior do que a observada na mesma amostra em 2019. No Brasil, um
levantamento da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG) com 45 mil voluntários aponta que 40% deles se sentiram
tristes com frequência durante o isolamento social.
Para 2021, a Organização das Nações Unidas (ONU) projeta a maior crise
humanitária desde a Segunda Guerra Mundial. Ou seja, tempos ainda mais
turbulentos vêm por aí, em um contexto que já não estava, vamos combinar,
nenhuma maravilha. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) elenca a saúde
mental como prioridade absoluta para os próximos anos e já considera a
depressão a doença mais incapacitante do planeta.
“Acompanhamos um aumento constante nos casos do transtorno, o que contrasta com
a introdução de tratamentos eficazes, que deveriam justamente reduzir essa
incidência”, diz o psiquiatra Jair Mari, chefe do Departamento de Psiquiatria da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O fato é que uma grande discussão orbita em torno desse crescimento. Por um
lado, a sociedade vem falando muito mais abertamente sobre saúde mental. Isso
estimula pessoas a reconhecerem sinais de sofrimento e procurarem os
profissionais para realizar o diagnóstico, ao mesmo tempo que os estigmas,
apesar de ainda presentes, diminuíram. Por outro lado, não faltam motivos para
que haja mais deprimidos por aí. “Ambientes competitivos, desigualdade social e
solidão são os principais fatores da cultura ocidental relacionados a esse
aumento nos diagnósticos”, destrincha Mari.
Estima-se que 300 milhões de pessoas vivam com depressão no mundo hoje, quase
12 milhões delas no Brasil. Aqui, aliás, a prevalência parece mais alta do que
no resto do mundo — 5,8% da população é acometida, ante 4,4% de média global.
Não falamos de uma angústia passageira, mas de uma doença que inclusive pode ir
e voltar. E lidar com ela é um tremendo desafio porque, além das questões
culturais, a ciência ainda não sabe em detalhes como ela nasce nem como se pode
curá-la.
“O problema tende a ser crônico e recorrente: 80% das pessoas que têm uma
primeira crise terão outras ao longo da vida”, aponta o psiquiatra Acioly
Lacerda, também professor da Unifesp.
A situação se complica porque, segundo os especialistas, vivemos tanto uma
banalização da prescrição de medicamentos em casos que exigiriam outras
abordagens quanto a falta do uso em quem realmente precisa. Enquanto alguns
profissionais reforçam a noção de que o distúrbio tem raízes principalmente
fisiológicas e, portanto, seria tratável como um diabetes, outros refutam a
ideia de que a depressão é só uma patologia.
“Nos últimos 50 anos, o discurso de que a depressão é um problema biológico se
tornou hegemônico, o que leva à ideia de que nosso modo de vida e a maneira de
lidar com as emoções nada têm a ver com isso”, argumenta o psicólogo Christian
Dunker, da Universidade de São Paulo (USP). Ele lança em janeiro o livro Uma
Biografia da Depressão (Editora Planeta), em que discorre sobre a história do
transtorno — de melancolia na Antiguidade a sinônimo de sofrimento na vida
moderna.
“Hoje estamos diante de um impasse”, avalia Dunker. Medicamentos têm o seu
lugar e são necessários em muitas situações, e até o tabu em relação a eles
precisa ser cutucado. Mas a doença não se resolve apenas instigando
neurotransmissores ou desligando áreas do cérebro. Assim como enfrentar o “mal
do século” não é uma questão de ter força de vontade ou mudar de vida. É ao
equilibrar essas duas visões e superar certos paradigmas que poderemos nos sair
melhor da epidemia de depressão. Ela existe, não escolhe sexo, bolso ou idade
e, se não cuidada, pode ser fatal.
O tratamento da depressão
30% das pessoas com depressão não respondem aos medicamentos tradicionais. 50%
dos portadores de transtornos psiquiátricos no mundo não têm acesso ao
tratamento.
O debate sobre os antidepressivos sempre esquenta porque, em mais de 60 anos de
história, a eficácia dos remédios tradicionais permanece a mesma. Pelo menos um
terço das pessoas com depressão não responde a eles e as chances de voltar a
tomar um comprimido são altas.
“Até o ano passado, tínhamos 55 substâncias aprovadas no mundo, todas atuando
no mesmo sistema cerebral”, conta Lacerda. O médico se refere às monoaminas,
conjunto de neurotransmissores ligados à sensação de bem-estar, como
serotonina, noradrenalina e dopamina. O reequilíbrio dessas moléculas é o alvo
de toda a família de medicações.
“Não quer dizer que a depressão é uma falta de uma ou outra, mas que
aumentá-las geralmente melhora os sintomas”, esclarece o psiquiatra Pedro do
Prado Lima, pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUC-RS).
Desde que os antidepressivos estrearam, nos anos 1960, o principal avanço nessa
seara foi o desenvolvimento de comprimidos mais seguros e com menos efeitos
colaterais. A depressão resistente a eles, contudo, permanecia praticamente sem
alternativas de tratamento, com exceção da eletroconvulsoterapia. Conhecida no
passado como eletrochoque, ela é um método eficaz mas só empregado em quadros
graves e como último recurso. As descargas elétricas emitidas no cérebro podem
desencadear reações como convulsões.
Mas em 2020 a história começa a mudar. Está para chegar ao Brasil uma nova
solução contra a depressão, indicada justamente aos casos resistentes, que é
fruto de pesquisas realizadas desde 1990. O medicamento atende pelo nome de
escetamina e é um derivado da cetamina, anestésico forte e usado há décadas como
droga recreativa devido aos seus efeitos de alteração da consciência. Ela foi
aprovada no país em forma de spray nasal e promete resultado em poucas horas
contra os sintomas depressivos ligados à ideação suicida em pessoas que não
respondem aos remédios usuais. Para isso, é administrada em uma clínica, com a
supervisão de profissionais.
O bacana da escetamina é que ela é o primeiro antidepressivo que não mexe nas
tais monoaminas, e sim no glutamato, outro neurotransmissor. Esse aí dá um
apoio à sobrevivência dos neurônios e estimula as sinapses, as conexões entre
eles — quando a depressão está instalada, essa comunicação não funciona tão
bem.
Os antidepressivos clássicos até podem induzir esses efeitos, mas de forma
indireta e no longo prazo. Com a escetamina, a ação é imediata. O primeiro
representante da categoria liberado no Brasil, desenvolvido pela farmacêutica
Janssen, marca o début oficial de uma classe de moléculas que ficaram famosas
como psicodélicos. E o laboratório nacional Cristália trabalha pela aprovação
de uma versão injetável baseada na cetamina já existente no mercado contra a
depressão.
Os psicodélicos chegaram a ser investigados por pesquisadores no século
passado, mas caíram em desuso devido ao sucesso dos antidepressivos
tradicionais e à associação com as “viagens” e alucinações veneradas pela
contracultura. Isso está mudando.
“Pessoas com depressão têm geralmente uma hiperativação da chamada rede padrão,
ligada à ruminação de pensamentos, e os psicodélicos reduzem a atividade dessa
região”, explica o psiquiatra Luís Fernando Tófoli, professor da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp). “Outra hipótese é que o estado de
hiperconectividade promovido pela classe seja capaz de quebrar padrões, e aí
seria possível sair do estado depressivo e estabilizar a mente.”
Seria como resetar o cérebro. A abordagem é promissora e foco de inúmeros
estudos para comprovar esses efeitos. Mas, mesmo que funcione bem, não deve ser
a bala de prata contra a depressão. A ideia é que ela seja uma opção complementar
ao que já existe. “Não é todo mundo que aceita entrar em um estado alterado e a
experiência pode ser negativa e até traumática para alguns”, pondera Tófoli.
Psicodélicos contra a depressão
LSD: o ácido lisérgico foi o primeiro alucinógeno estudado como terapia. Há
relatos isolados de melhora da depressão após o uso, mas faltam estudos
maiores.
Ayahuasca: o DMT, princípio ativo do chá tomado por comunidades indígenas
e religiosas, pode estimular a formação de neurônios e a conectividade entre
eles.
Maconha: a droga já é usada por conta própria para reduzir a ansiedade e a
depressão, mas as evidências sobre o assunto ainda são fracas.
Psilocibina (cogumelo): uma “terapia revolucionária” para depressão severa,
segundo a agência que regula remédios nos EUA. Deve ser a próxima a ser
aprovada.
MDMA (ecstasy): mais estudada no estresse pós-traumático, a droga provoca uma
rápida descarga de dopamina, que melhora o humor, mas pode deprimir depois.
Não é só remédio
Outras estratégias antidepressão podem ganhar força nos próximos anos — e elas
não se resumem a remédios. Primeiro, a estimulação magnética e a elétrica
transcraniana. Ambas se valem de sensores colocados em regiões específicas da
cabeça e visam, com estímulos via magnetismo ou eletricidade, alterar o
funcionamento do cérebro nas áreas afetadas pela doença (entre elas a tal rede
padrão).
Outro ponto importante relacionado ao agravamento da depressão e manipulado com
esses dispositivos é o córtex pré-frontal, que, ao contrário da rede padrão, fica
menos ativo nos portadores do transtorno. “O paciente faz algumas sessões de
poucos minutos e já tende a melhorar, e isso praticamente sem efeitos
colaterais. As duas técnicas já demonstraram resultados animadores em estudos”,
relata o psiquiatra André Brunoni, da USP, que testará, a partir de 2021, uma
técnica de estimulação elétrica com aparelhos portáteis, controlados por
aplicativos de smartphone, o que permitiria o tratamento remoto com
acompanhamento médico.
Em um experimento conduzido pela Universidade Stanford, nos Estados Unidos, 19
dos 21 participantes foram considerados livres da depressão grave depois de
sessões de estimulação magnética. “Se esses resultados se confirmarem em
pesquisas mais amplas, essas abordagens representarão outra revolução no
tratamento”, acredita Brunoni.
Convênios nos Estados Unidos já começam a reembolsar pacientes por terapias do
tipo. Aqui no Brasil, o uso ainda é particular, em clínicas e hospitais, ou em
universidades, como parte de estudos.
Saindo da cabeça, vamos ao intestino. Isso mesmo! Hoje se sabe que o órgão
carrega neurônios como o cérebro, e o que acontece lá embaixo, em especial no
conjunto de trilhões de micro-organismos que habitam o aparelho digestivo, é
fundamental para a saúde toda, incluindo a mental. É dentro desse contexto que
surgem os psicobióticos, suplementos de bactérias específicas que, ao
influenciar a microbiota intestinal, podem colaborar para o controle de
ansiedade e depressão.
Evidências preliminares com certas classes de probióticos, caso de
bifidobactérias e lactobacilos, sinalizam maior controle do estresse e melhora
nos sintomas. “O uso dessa estratégia tende a crescer nos próximos anos, pois
temos várias pesquisas clínicas controladas e de alta qualidade, cujos
resultados sairão em breve”, afirma o nutrólogo Dan Waitzberg, professor da USP
e diretor do Ganep Nutrição Humana.
90% dos pacientes responderam bem à estimulação magnética transcraniana em
estudo americano
10% é a perda de volume em algumas regiões do cérebro entre quem tem depressão,
caso da área envolvida na memória
Erro na dose
A depressão é um fenômeno complexo, que começa com uma mistura de predisposição
genética e exposição a fatores de risco. Muita coisa entra na lista — ter
nascido antes da hora, sofrer uma perda significativa na vida adulta, conviver
com estresse crônico e beber demais na adolescência são algumas delas.
Entre quem tem a tal suscetibilidade, essas experiências servem de gatilho para
as alterações bioquímicas e estruturais no cérebro. Só que, antes que elas
ocorram e mesmo quando já estão em curso, mas em estágio inicial, outras saídas
podem dar mais resultado que os remédios em si.
“Medicamentos são utilizados erroneamente para depressão leve e moderada e até
para a tristeza normal, quando a espera orientada ou a psicoterapia são
escolhas bem melhores”, defende o psiquiatra americano Allen Frances,
ex-professor da Universidade Duke e autor de livros como Voltando ao Normal
(clique para comprar), em que discute a necessidade de distinguir tristeza de
depressão e critica o abuso dos antidepressivos. O duro é justamente fazer essa
diferenciação em um mundo que pede soluções instantâneas para tudo.
Psicoterapia: a mais eficaz na depressão, segundo estudos, é a
cognitivo-comportamental. Mas qualquer tipo pode ser útil, desde que a pessoa
se sinta confortável no processo.
Espiritualidade: veja bem, não estamos falando de religião — que, em algumas
situações, pode inclusive ser danosa —, mas na crença em algo maior e num
propósito de vida.
Atividade física: é essencial contra a depressão. Exercícios têm efeito
poderoso na química cerebral — da saúde dos neurônios ao aumento dos níveis de
neutrotransmissores do bem-estar.
Meditação: outra técnica amparada por centenas de estudos. Meditar acalma a
mente e diminui a ruminação — aqueles pensamentos negativos intrusos e
recorrentes.
Pets: as evidências científicas são contraditórias, mas na prática muita gente
relata sentir melhoras expressivas depois da chegada de um animal de estimação,
em especial no luto.
Alimentação: uma dieta rica em fibras e boas gorduras, como a mediterrânea,
tende a amenizar os sintomas. Já o cardápio cheio de tranqueiras pode
agravá-los.
Diagnóstico correto da depressão é fundamental
Quando o tratamento é eficaz, com ou sem remédios, é possível restaurar os
circuitos cerebrais e recuperar a qualidade de vida. Só que, quanto mais tempo
leva para encontrar a melhor estratégia para cada um, menor a chance de sucesso
e mais infelicidade no caminho. Daí o dilema: tratar cedo é melhor, mas é
justamente nessa fase que a medicação pode ser prescrita sem necessidade.
“É crucial fazer a distinção, pois tristeza, desesperança e luto fazem parte da
condição humana, e os métodos diagnósticos hoje falham nisso”, pontua Frances,
que é um dos autores das edições passadas do Manual de Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) e hoje um crítico do documento que
guia a psiquiatria nos EUA e boa parte do mundo.
“O termo depressão foi desvinculado de um estado natural, que pode ser
passageiro, para virar sinônimo de doença, e ao mesmo tempo é um conceito
maleável, que atende às necessidades sociais, porque parte do pressuposto de
que há um ‘normal’. Mas quem define o que é esse normal?”, questiona o médico
sanitarista Paulo Amarante, presidente de honra da Associação Brasileira de
Saúde Mental (Abrasme). Embora a resposta a essas indagações não seja fácil, os
especialistas concordam que é preciso aprimorar o diagnóstico e individualizar
ainda mais cada caso.
“O mais difícil hoje é fazer diagnósticos precisos e entender qual é a melhor
abordagem para o conjunto de sintomas daquele indivíduo”, diz o psiquiatra
Michel Haddad, um dos coordenadores do Instituto Brasileiro de Farmacologia
Prática. Ele trabalha em uma linha inovadora, que é mirar no DNA para entender
como o corpo vai reagir a um medicamento como o antidepressivo.
“Só devemos ter em mente que os testes genéticos ajudam, mas, sozinhos, não
fazem diagnóstico nem escolhem o melhor remédio”, esclarece. A análise do DNA
soma dados para o que Haddad e outros experts defendem, a psiquiatria de
precisão. A meta é encarar a depressão não como uma, mas várias doenças, cada
qual pedindo um tratamento personalizado.
Nessa linha, para compreender e diagnosticar a doença, é preciso ir além de uma
lista de sintomas, que tendem a perdurar por mais de duas semanas. “Batemos muito
na tecla de que não basta submeter a pessoa a um questionário e somar pontos,
mas fazer uma investigação completa, até para diferenciar o transtorno de
outras doenças com sintomas parecidos, como o desânimo de um hipotireoidismo”,
afirma o médico Antonio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira
de Psiquiatria (ABP).
A grande régua aqui é interpretar quanto esse conjunto de manifestações —
tristeza, letargia, raciocínio lento ou agitação excessiva, alteração no sono
ou no apetite, perda de interesse no que antes dava prazer, dificuldade de
concentração, lapsos frequentes de memória e sensação de que não há mais saída
— atrapalha o cotidiano. “Os sintomas devem ser persistentes e causar prejuízos
consideráveis na vida social ou profissional”, acrescenta Frances. Sentimento
de vazio que não passa e pensamentos de morte são ainda mais preocupantes.
A perturbação trazida pelo momento atual, com medo, pressão e insegurança, pode
até desencadear ou reativar um transtorno depressivo, mas dá para agir antes
que isso aconteça. Ele, a exemplo de tantas outras doenças, é passível de
prevenção. “Assim como não esperamos um infarto para orientar a pessoa a não
fumar ou praticar exercícios, também podemos identificar fatores de risco e
propor intervenções adequadas”, explica o psiquiatra Guilherme Polanczyk, da
USP.
Nesse sentido, o fardo da pandemia de coronavírus tornou evidente a importância
de zelar pela saúde mental. “Mais do que nunca, é importante se escutar,
perceber que não está bem e cuidar de si”, ensina a psicóloga Ines
Hungerbuhler, do Vitalk, aplicativo de autocuidado que detecta sinais de
estresse fora de controle e depressão.
A tecnologia, aliás, pode ser uma aliada na identificação dos problemas — e
soluções do gênero foram impulsionadas com a quarentena. “As pessoas estão mais
atentas e buscando ajuda como nunca, e os serviços online ampliaram o acesso ao
atendimento”, relata a psicóloga Karen Scavacini, do Instituto Vita Alere. A
instituição é uma das envolvidas no Mapa da Saúde Mental, que ajuda a encontrar
profissionais qualificados para auxiliar em diversas situações. O interessante
é que, segundo novas pesquisas, a terapia online pode ser tão eficiente quanto
a presencial no controle da depressão.
90% é o risco de ocorrer uma quarta crise depressiva em quem já está no
terceiro episódio frente à doença
15% dos brasileiros teriam predisposição a desenvolver depressão em algum
momento da vida
Tecnologia a serviço do bem-estar mental
Aplicativos: no Vitalk, por exemplo, um robô oferece atendimento inicial por
chat e direciona para programas de controle de estresse e autocuidado.
Telemedicina: consulta e terapia online têm demonstrado eficácia e podem até
facilitar o acesso, já que não é preciso ir a uma clínica, o que pode ser uma
barreira.
Contra o suicídio: desde 2019, o Centro de Valorização da Vida (CVV) tem
atendimento por chat no site e um serviço de bot (conversa automatizada) no
Facebook.
Acesso a terapeutas: o Mapa da Saúde Mental é um site que ajuda a
localizar serviços de saúde mental em todo o país, virtuais ou presenciais,
incluindo gratuitos.
Uma abordagem mais humana e eficaz
Para instaurar uma nova era no combate à depressão, é crucial dialogar com
todas as partes envolvidas e conscientizar a população sobre o que realmente
essa doença representa: um problema de diversas faces, sem soluções simplistas
e para o qual remédios podem ser um, mas não o único, pilar do tratamento.
“Estamos mudando de um modelo de protótipo para uma avaliação realmente
biológica, pessoal e familiar”, define Mari. “O médico deve compreender seu
paciente não com uma visão reducionista, focada na anatomia, mas contemplar sua
história, ouvir e estar disposto a entender o outro”, destaca Amarante.
Uma abordagem mais humanizada e eficaz é urgente, porque o que está em jogo não
é só a produtividade e a capacidade de manter as tarefas em dia, mas sim a
própria vida. “Estudos mostram que o indivíduo com depressão não tratada tem
uma expectativa de vida dez anos menor do que a média da população”, alerta Lacerda.
“Ela desencadeia alterações sistêmicas, por meio da liberação de hormônios como
o cortisol, e acaba aumentando até o risco de obesidade, câncer, diabetes e
Alzheimer”, prossegue o professor da Unifesp.
Além do elo com esses males, há a face mais assustadora da depressão, o
suicídio. “Se espera que ele aumente depois da pandemia, embora agora pareça
ter diminuído, talvez pelo fato de as pessoas estarem mais próximas da
família”, raciocina Karen.
Em 2020, a farmacêutica Janssen lançou, ao lado de outras entidades, o
movimento “Falar Inspira Vida”, que prega uma mudança no tom da conversa sobre
depressão. “Existe ainda quem nega a existência de doenças mentais e, assim,
não busca ajuda”, lembra Silva. O alvo da campanha é justamente erradicar esses
estigmas, que atrapalham a chegada do socorro a quem mais necessita.
“As pessoas escutam que é exagero, frescura, que devem se levantar e fazer
escolhas melhores, e isso acontece por falta de informação”, aponta Ines. “Mas,
assim como uma perna quebrada requer tratamento, a depressão também exige”,
reforça a psicóloga. “Vemos uma resistência do próprio indivíduo, que pensa que
é forte, não precisa de remédios ou terapia, mas essa atitude colabora para que
o quadro evolua de um estágio inicial, facilmente revertido, para uma situação
muito mais difícil de tratar”, analisa Lacerda.
Alguns grupos sofrem mais em silêncio. Os homens, que geralmente têm
dificuldades em aceitar a condição e o apoio, e acabam combatendo a dor com
bebida alcoólica ou se envolvendo em episódios de violência, o que só piora a
situação. Depois, quem está mais vulnerável do ponto de vista socioeconômico.
“Há uma ideia disseminada de que o pobre não tem tempo para ter depressão, e
isso não poderia ser menos verdade, porque você vê um número enorme de pessoas
miseráveis trabalhando em condições precárias e adoecendo”, observa a psicóloga
Leila Tardivo, da USP.
Mas como falar em tratamentos de ponta quando tanta gente está perdendo
emprego, moradia e as próprias perspectivas de futuro? O que não quer dizer que
os mais abonados não podem sofrer, é claro. Está aí, aliás, outro mito a ser
superado, o de que os bem-sucedidos, na empresa, na TV ou nas redes sociais,
não têm motivos para sofrer de depressão. “Quantos famosos se suicidam ou
morrem por outras causas porque estão infelizes?”, questiona Amarante.
No fundo, talvez essa pandemia dupla, de Covid-19 e depressão, seja uma
oportunidade de ressignificar nossas dores, indo além do resultado, que é o
diagnóstico, para as causas, que são múltiplas e fatalmente ligadas à sociedade
que construímos e compartilhamos.
“É impossível dissociar a saúde mental da situação social e política. As
pessoas estão cada vez mais entregues à própria sorte, se sentindo sozinhas
pela ausência do Estado e pela ameaça do outro, visto como um inimigo”, opina
Amarante. “Devemos voltar a pensar na depressão como algo que se enfrenta com a
escuta, revendo a maneira como encaramos a nossa vida e fortalecendo nossos
laços comunitários”, propõe Dunker.
As feridas da infelicidade coletiva talvez estejam mais expostas do que nunca.
E a cura provavelmente virá da palavra, do diálogo e do apoio mútuo entre nós.
15% das crianças e dos adolescentes podem ter algum problema de saúde mental,
entre eles a depressão.
75% dos adultos com transtornos mentais tiveram os primeiros sintomas antes dos
24 anos.
Depressão ao longo da vida
Crianças: o diagnóstico é mais raro na infância, mas o que acontece nessa
fase (em especial nos primeiros anos de vida) é um dos principais preditores do
risco de desenvolver o transtorno no futuro.
Adolescentes: a partir da puberdade, a incidência aumenta, especialmente
entre as meninas. Variações de humor, sentimento de culpa, baixa autoestima e
ideias negativas sobre o futuro são indícios.
Adultos: a faixa até os 45 anos é a mais atingida, até por isso a
depressão é considerada a doença mais incapacitante do mundo — é nesse período
que se espera mais produtividade de homens e mulheres.
Idosos: também são vítimas, mas passam batidos por causa da visão de que o
idoso já é “mais triste”. Puro engano! Vale ficar ligado em queixas constantes,
pessimismo, insônia, dores inexplicáveis e perda de peso.
Pós-parto: menos contemplada pelos tratamentos e estratégias preventivas, afeta
até 20% das gestantes e pode virar crônica. Deve ser diferenciada do baby
blues, alteração de humor normal do puerpério.